Em 2021, com a chegada das primeiras vacinas contra Covid-19, o mundo começava a se levantar das ruínas deixadas pela pandemia que levou milhões de vidas. A ONG Rede Trans Brasil estava iniciando o projeto Oportunizar, uma ação de âmbito nacional para promover capacitação profissional e empregabilidade de travestis, mulheres e homens trans. Hoje, percebo que presente foi ser convidado pela amiga e ativista Tathiane Araujo para participar de uma construção social tão necessária como o Oportunizar, não só pelo momento delicado que o mundo passava, mas também pela urgência em assistir uma população tão vulnerabilizada.
O projeto Oportunizar foi financiado pelo Governo Federal (através de verba destinada por emenda parlamentar) e tinha como objetivo principal fortalecer ações institucionais do movimento trans, capacitando lideranças e realizando ações de advocacy para qualificação profissional e empregabilidade de pessoas trans e travestis em dez cidades brasileiras. O desenvolvimento do projeto aconteceu de forma remota, através de reuniões semanais por videochamada, como a maioria das atividades profissionais naquele período.
Todas as quintas-feiras, a equipe de coordenação se reunia com as pessoas representantes de cada cidade atendida pelo projeto para definir estratégias, objetivos e metas, em chamadas que, algumas vezes, chegavam a até três horas de duração. Cada liderança tinha a missão de provocar políticas públicas e iniciativas em prol da capacitação profissional e oportunidades de emprego para pessoas trans em suas localidades. Isso era feito através de uma extensa agenda de encontros e reuniões com parlamentares municipais e estaduais, secretarias, prefeituras, governos estaduais, organizações do Sistema S (como Senac, SESI e Sebrae), além do empresariado local.
Em agosto, aconteceu uma oficina de planejamento em Aracaju e finalmente toda a equipe do projeto pôde se conhecer pessoalmente. Foi um dos momentos mais enriquecedores da minha vivência no movimento LGBTQIA+, trabalhando com pessoas tão inteligentes, criativas e diversas, ouvindo suas histórias e experiências de vida. Nessa oficina, além da elaboração de um plano operacional, a equipe se uniu para construir o material informativo do Oportunizar, composto por uma cartilha direcionada para empresas e instituições e um zine voltado para a população trans, dos quais criei o projeto gráfico e executei a diagramação.
Uma das minhas principais atribuições no projeto era publicizar as ações de advocacy em cada cidade através do site da Rede Trans Brasil e do perfil no Instagram. Dada a estrutura limitada do projeto, minhas únicas fontes para produzir o conteúdo eram as próprias pessoas agentes locais. Então, tive a ideia de disponibilizar para essa equipe um formulário eletrônico para coletar relatos e fotos de todas as ações. Assim que a pessoa saía de uma reunião, ela poderia já abrir o formulário, relatar o acontecimento e enviar as fotos. Eu, então, recolhia o material e entrava em contato via WhatsApp para confirmar informações e buscar mais detalhes. Depois, transformava aquele conteúdo numa nota jornalística para publicar no site* e no Instagram.
Dava orgulho poder divulgar a participação das pessoas representantes do Oportunizar na elaboração e aprovação de projetos de leis que garantem cotas para pessoas trans em concursos e oportunidades de emprego, por exemplo, ou atuando para criar reserva de vagas em cursos e processos seletivos.
Junto à produção de notícias, eu editava e finalizava vídeos de divulgação dos produtos do projeto, e também criava cards para redes sociais. Em 2022, o trabalho foi ganhando um tom de gratificação, quando já publicava notícias sobre cursos profissionalizantes gratuitos e com reserva de vagas para pessoas trans, meninas trans e travestis conseguindo seu primeiro emprego formal, outras concluindo uma formação profissional e vislumbrando novos caminhos de vida.
Um ano depois do encontro presencial em Aracaju, o Oportunizar chegava à sua reta final, com as última reuniões para definir a distribuição da cartilha e do zine, que acabavam de ser impressos. O zine foi dedicado à Janaina Lima, representante do projeto em São Paulo, que morreu semanas depois da oficina de planejamento. Janaina era uma brilhante ativista trans que coordenou o Programa Transcidadania, da Prefeitura de São Paulo, e atuou na coordenação de Políticas para LGBT e na Rede Trans Brasil. Como ela relatou durante a oficina, o Oportunizar representava um recomeço junto ao movimento LGBTQIA+, assim como foi para mim. Assim como foi para as várias pessoas trans atendidas pelo projeto.
(*) Em agosto de 2022, o site da Rede Trans Brasil começou a passar por inúmeros problemas de segurança e estava offline até o momento da publicação desse post.